Num discurso proferido em 1967 afirmou Salazar: "Sempre houve pobres, sempre os há-de haver, é preciso que os haja".
Ignoro se o ditador se referia apenas ao país, ou alargava essa sua visão ao mundo inteiro. De qualquer modo, rememorando a frase, ocorre-me também dizer que em Portugal sempre houve ricos, sempre os há-de haver, é preciso que os haja. Temos necessidade deles para podermos mostrar a imagem do país real, o país que come bem e traja chique, usa Rolex no pulso, tem Bentley e chofer, vai a Miami com mais facilidade e conforto do que você e eu chegámos a Oeiras. O país que, juntamente com o que temos de Património Mundial, o Vinho do Porto, as praias do Algarve, e a carne do porco preto alentejano, é nossa obrigação mostrar ao mundo.
A pequena burguesia com as suas hipotecas e os pobres com as suas necessidades, embora formem o grosso da população não representam o Portugal verdadeiro, o das epopeias, o Portugal audaz, empreendedor e enérgico, dinâmico. São classes que constantemente se atrasam na História e no desenvolvimento, sem ousadia para a luta, sem visão. São a massa dos fiéis das igrejas, os simples que gritam nas revoluções e fazem o V com os dedos.
Delas pouco ou nada há a esperar, são gente que, nascida subalterna, se acomoda aos revezes dizendo que é o Destino. Melhor seria se tomassem o elevado exemplo que dão os senhores empreiteiros, capazes de gerar fortunas como por mágica; os senhores políticos, que com argúcia tomam um país inteiro por conta; ou os senhores da banca, abençoados de Mercúrio e tão capazes nas versões financeiras da multiplicação dos pães.
Esses, sim, nesses corre a seiva que torna grandes as nações, e bem merecem que se lhes eleve uma estátua. A plebe que os acusa, insulta, e deseja que vão para o Inferno, melhor faria em estudar-lhes as qualidades.