Estivesse eu na idade
de ceder a impulsos, provavelmente ia asnear e correr perigo, não só porque me é
cortada a liberdade, como me tira o fôlego o sentimento de viver numa sociedade
policial de esbirros e bufos, com gente a olhar e lado os que vão sem máscara, os
que espirram e tossem, os que se aproximam dando-te a impressão de que és leproso. Sociedade que nunca imaginei possível: cobarde, domada, agachada,
denunciante, à espera da Inquisição, e que não demore a fogueira para os que
não entram no cortejo nem veneram os manipansos da política, os que se passeiam
em cuecas e não recuam na baixeza, porque vale isso e mais, vale tudo para ter
o chicote na mão e o poderio de mandar que o rebanho se agache.
Estupor de sociedade,
estupor de mundo, aos meus e aos que quero bem não posso repetir com verdade o
que tantas vezes me disseram e foi a minha fé: que viria um mundo de justiça,
harmonia e prosperidade. Mas o que veio foi este: injusto, mais desigual que
nunca, um mundo de medo, desespero e sombrios amanhãs.