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Uma jovem que admiro pela inteligência, a sensibilidade e a elegância da sua escrita, conta que anda a ler o Diário de Miguel Torga, entusiasmando-se de tal maneira que se sente enamorar do transmontano.
Eu, que há muito deixei a
idade das paixões, recordo na minha juventude ter lido alguns volumes do Diário, reli Vindima tempos atrás e, ao acaso, um ou outro poema.
Entre muitos mais, a
passagem dos anos tem o desagradável resultado da diminuição de entusiasmo, e
embora me alegre o apreço da minha amiga por Torga, não me vejo a reler a sua
obra, se bem que, como aqui, aqui e aqui, me tenha valido dele.
De momento faço outras
leituras. Terminei ontem Nothing is True and
Everything is Possible, de Peter Pomerantsev.
Filho de emigrantes russos,
nasceu na Grã-Bretanha, nos últimos dez anos trabalhou em Moscovo, fazendo
documentários para várias emissoras da televisão russa. A sua escrita não prima
pela elegância nem pela clareza, arrasta-se, dá a impressão de ter sido feita
sobre o joelho, mas pouco importa. É alucinante
o retrato que nos dá da Rússia, dos russos, dos meandros da política, da
extraordinária corrupção, dos super-bilionários que praticamente tomaram conta
de Londres, das esposas e amantes dos ditos, calçadas de sapatos de 100.000
euros o par, dos especialistas em "protecção", das muitas formas como
os inocentes vão anos ou a vida inteira para a cadeia.
É um retrato que
desorienta e até certo ponto assusta, pois acabada a leitura dei por mim a
pensar que se na Rússia a corrupção e a ausência de direitos são assim, se de
facto impera nela a lei do mais forte, do mais rico, do mais bruto, talvez
Angola, a Nigéria, o Zimbabwe não sejam tão maus como se julga.