Éramos jovens, fáceis de entusiasmar, os filmes de Ingmar Bergman pareciam-nos o suprassumo do que se realizava na arte cinematográfica. Ao fim de cada sessão corríamos ao café a discutir, a analisar, a incensar o trabalho do realizador. Mesmo no corriqueiro ou no acidental dos seus filmes adivinhávamos intenções geniais. Quanto mais estáticas as cenas, mais elas nos pareciam prenhes de significado e o nosso apreço não tinha limites quando um personagem, de costas para os espectadores, ficava minutos imóvel a olhar para um horizonte vazio.
Gradualmente, porém, fui-me perguntando se uma tão incondicional admiração não era igual à dos súbditos que aplaudiam a passagem do rei nu. A vinda ao de cima do meu senso crítico resultou num apreço mais moderado pelo cineasta sueco, e num frequente franzir de sobrolho, quando os meus amigos insistiam em me explicar o simbolismo hermético de certas cenas.
Assim, não sei em que filme, no momento em que um personagem moribundo olhava fixamente o céu, ouvia-se ao longe o ruído dum combóio e, muito ténue, o silvo de uma locomotiva a vapor. Eles afirmavam que se tratava de uma subtileza sonora, usada por Bergman para assinalar o momento em que a alma se despegava do corpo. Eu retorquia que na filmagem da cena, em exteriores, a gravação do ruído tinha sido acidental. Eles que não, eu que sim, até que de tão excitados tínhamos passado dos gritos aos insultos.