É surpresa, nem sempre agradável, quando numa daquelas conversas em que se está a falar de nada coisa nenhuma, um pequenino aparte resulta em consequências que, além de inesperadas, por vezes vão influir no comportamento de uma pessoa, no apreço em que tem o semelhante, ou até na sua maneira de encarar a vida.
Um domingo no café, com o modo autoritário que lhe ficou dos dezassete anos que esteve no Artilharia 4 em Leiria, e fazendo valer o que nesse tempo aprendeu como instrutor de Educação Física, estava o Garcia a explicar ao Simões e ao Jean-Jacques – pai minhoto, mãe francesa, por alcunha “O cara à banda” – as desagradáveis consequências que pode ter o exigir do corpo excessos de esforço e resistência.
Dando ideia que se dirigia a ambos, o “recado” era de facto para o Simões, por ser ele fanático de tudo o que ajuda a “modelar o corpo”, expressão que demasiadas vezes repete, mas num tom ligeiramente sarcástico, e de implícita censura aos que no seu dizer se abandalham, deixando crescer a barriga num físico de regueifas e enxúndia.
- Porque o corpo vinga-se! – continuava ele – Até certo ponto o corpo aguenta, não refila. E o sujeito não dá por nada, na aparência está tudo a correr como de costume. Só que dum dia para o outro tudo pode mudar. Um outro ritmo, uma variação na dieta, uma febre, uma gripe que te obrigue a ficar de cama e então...
Interrompeu-se ao ver que o Simões se tinha levantado e o encarava dum modo a prenunciar mau seguimento:
- Ó professor de merda! Julgas que sabes muito, ginástica assim, ginástica assado, mas é só trinta e um de boca. E do corpo ainda sabes menos.
Jean-Jacques já estava em pé, os braços no gesto do árbitro que separa dois pugilistas, foi então que o directo do Simões o apanhou em cheio, quebrou-lhe os queixos e lhe valeu a alcunha.