Espera-te o desnorte quando julgares distinguir gente tua, ribeiras, areais, a mancha de povoados, o clarão de cidades no horizonte da noite.
Esquece mandamentos e regras, o que te aconselharam, o
que julgas saber ou sentir, atenta apenas na bênção que por vezes
inesperadamente chega: a de aperceberes os gritos que,
por irem longe e para além dele, desafiam o som.
A vida não se arruma em prateleiras,
dispensa rótulos, lojistas ou amanuenses, mas por falta de olhos, de coração,
arrogância de sobra e escassa humildade, tomam alguns a
superfície por fundura, imaginam cores onde só há cinza, abraçados na dança
ritual da auto-satisfação fazem-se rapapés de sécias, adivinham cópulas na horizontalidade do
oceano.
E talvez assim seja, que os há em todos os tempos, os
que o Espírito visita. Mas tu, eu, uns quantos, só vemos ondas e tormenta, rebentação,
o fim d' água que se perde no horizonte, o vento a soprar
o areal.
Vamo-nos, esses e nós, enganando, desenganando, aos saltos e trambolhões, cai
aqui pára além, ora crentes, depois aflitos, desesperados, medrosos, evitando
olhar para o que fica, querendo amanhãs que nunca chegam, polindo a memória até que dela só reste o que brilha. Desfiando
histórias que seriam de fadas se tivessem princípio, meio, e terminassem
felizes, mas são mais de sombra e desespero, sempre esquerda a
roda da sorte.