Um ou outro será capaz de apontar a Estónia no mapa, mas na vila inteira, e ela vive ali há dez anos, nunca ninguém conseguiu pronunciar direito o nome da mulher do Armindo Bandeira, Rahne, pelo que desde o princípio ficou a ser "a Rã do Bandeira" ou então, mas isso se ele não ouvir, porque por pouco lhe chega a pimenta ao nariz, "a Ranhosa do Armindo."
O nome é o menos e também não importa ser mulher de um sujeito de tão maus fígados que ninguém o queria para genro. O que realmente conta é ser ela uma pasteleira de tão alto coturno que o Armindo fechou a garagem e tem lá um estabelecimento de tal fama que a concorrência sofre, pois até de longe vem gente comprar a sua doçaria.
A ninguém diz se estudou para aquilo, se é questão de jeito ou onde aprendeu, porque embora mostre ser a simpatia em pessoa, sorrir muito, verem-na sempre bem disposta, "a Rosa do Bandeira" foi bem qualificada pelo doutor Manso Neves, a quem um dia no café ouviram comentar: "Aquela é ainda mais fechada do que uma ostra", acrescentando que obrigado pelo segredo profissional não ia adiantar mais.
Acharam o comentário exagerado, mas também é facto que pouco se liga ao que o doutor Manso afirma, tanto por estar quase na reforma e nem sempre dizer coisa com coisa, como também porque de vez em quando "vai de férias" e volta de lá desintoxicado.
"A novidade caiu como uma bomba" costuma ser a frase consagrada para situações surpreendentes, e é aqui bem aplicada para a tarde em que com grande aparato a Polícia entrou na pastelaria e saiu de lá com a "Ranhosa do Armindo" algemada.
Nos primeiros instantes foram só suposições, mas não tardou a que pouco a pouco se começasse a saber mais alguma coisa, embora ainda hoje custe a compreender como é que a estrangeira conseguia drogar tantos idosos, convencê-los de que os curava e apanhar-lhes o que escondiam no colchão.
- Simples – explicou o doutor Manso, que desde que o caso aconteceu passou a ser ouvido com mais benevolência – Ela prometia que os curava de tudo, mas tinham de guardar segredo, porque não se podia saber que lhes dava a "pírula do Hitler."
Como poucos sabiam quem era o Hitler, deu ele uma lição de História da Segunda Guerra Mundial, deixando-os pasmados ao contar que os soldados iam drogados para as batalhas. Fingiram acreditar, mas pareceu-lhes fantasia. Agora que a "Ranhosa do Armindo" saísse em liberdade porque os velhotes juraram no tribunal que ainda lhe dariam mais bastava ela pedir, essa foi a grande novidade.