Algumas amizades vêm de longe no tempo, outras
cabem-nos por acaso como a do Manuel Silveira (pseudónimo), que começou por uma
discussão na garagem onde eu tinha ido trocar os pneus do carro, e ele, um
desconhecido, a argumentar que era perito no assunto, tanto insistiu que me
convenceu e escolhi uma marca diferente daquela que sempre tinha usado.
Acabámos por ir ao café, seguiram-se uns almoços, a intimidade foi crescendo e somos bons amigos,
mau grado ser ele ferrenho na visão esquerdista que tem da política, e mostrar-se
um assanhado activista de certas causas da apressada modernidade, enquanto eu
me inclino para a certeza de que Roma e Pavia não se fizeram num dia.
Creio que foi em Março ou Abril que se deu no Silveira
uma reviravolta, e desde então pouco é o que lhe interessa, parece esquecido do
fanatismo político, da pressa que antes tinha de acompanhar as mudanças da
sociedade e converter meio mundo.
Pelo que aos poucos vai contando, deve-se isso ao
acaso de que ao regressar de uma visita ao tio que vive em Pinhel, ter sentido
um estranho impulso de visitar Trancoso, onde nunca tinha estado. Deu umas
voltas, descansou numa esplanada a beber cerveja e de súbito, como se uma força
o empurrasse, ele, que nunca foi de religiões, entrou na igreja e estava ali
parado a olhar em redor, sem saber porquê, quando uma idosa lhe disse que se
andava à procura do túmulo do Bandarra era ao pé da porta do lado direito.
Jura que não consegue explicar, porque não fazia ideia
de quem o Bandarra fosse, nunca ouvira falar, mas é tanto o que nele mudou que já
esteve a ponto de consultar um psicanalista, do que à última hora desistiu, por
estar certo de que o que sente não são obsessões mas avisos, verdadeiras mensagens
que umas vezes o embaralham por não conseguir interpretá-las, ou o assustam de
tal maneira que se pergunta se não será sua obrigação dá-las a conhecer, torná-las
públicas.
Por enquanto nem a mulher o sabe, e o que contou ao
Barbosa e a mim jurámos-lhe que fica entre nós, só muito por alto podemos
aludir a certas profecias, como por exemplo que não é por acaso que Lisboa vai
ter um sistema de alarme para tsunamis, que antes do fim do ano um conhecido político escapará a um atentado
à bomba, no céu do Alentejo vão-se dar estranhos
fenómenos, vem aí um escândalo de deixar na sombra os que conhecemos.