(Clique)
É transmontana, anónima, de certeza escreve poesia, de vez em quando manda-me a sua prosa:
"Por favor, não diga a ninguém: ando a arrebanhar cisquinhos de junho e a escondê-los, bem escondidinhos, num guardanapo de linho que trago no bolso. Falta-me o gorjeio da passarada, o estalejar das silvas no carreiro de cabras, o bafo quente da terra despida pelas segadas. Ainda não guardei a doçura espessa e macerada dos pêssegos e as empoeiradas amoras bravias , humildes damas com as framboesas e as groselhas da frescura dos passeios ao entardecer. Ainda vai junho menino mas já mingado está por mim. Uns dez minutos agora, outros cinco depois e a ampulheta mais solta. Até agora, ninguém topou. Tenho um niquinho de zumbido rasteiro, cigarras, formigas atarefadas, libelinhas, grilos, sapos, rãs a coaxar. Pus brincos de princesa de cerejas vivas de sangue, rubis a escorrer entre os dedos.
Vou pedir a Santo Agostinho paciência para me aguentar até uma névoa húmida,
gelada e de um pálido dezembro fazer junho brincalhão, gaiato, radioso, liberto
da minha rodilha ensolarada, baú de dias que não são do tempo comum.
Ainda me falta uma lagartixa, uma daquelas que, furtivas e fugidias, se esgueiram entre as pedras soltas dos muros das caminhadas de junho. Quer ser meu cúmplice, meu senhor? Vamos apanhar lagartixas para em dezembro fazer junho?"
Ainda me falta uma lagartixa, uma daquelas que, furtivas e fugidias, se esgueiram entre as pedras soltas dos muros das caminhadas de junho. Quer ser meu cúmplice, meu senhor? Vamos apanhar lagartixas para em dezembro fazer junho?"