segunda-feira, junho 27

Explicar o Vara

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A trabalhar a terra desde os catorze, tendo por única riqueza os braços e boa saúde, até há uma semana o senhor Adriano era um ancião acomodado com o seu destino, colhendo alguma paz ao folhear a caderneta e certificar-se dos seis mil duzentos e trinta e dois euros e sessenta e três cêntimos que são a sua poupança da vida inteira.
Mas desde que a televisão fala nos perigos da Caixa, que a situação está tremida, e com certeza todos vamos ter de pagar, o senhor Adriano vive no terror de que  o seu diminuto pecúlio desapareça, e nem sobre dinheiro para lhe pagarem o enterro.
Ontem veio pedir-me que lhe explicasse como é que pode ser, que razão haverá  para que o governo deixe à solta os que tinham metido a mão no saco. E em voz baixa, receoso, perguntou se teria sido o Vara, de quem se lembra bem, porque às vezes o atendia ao balcão da Caixa, em Mogadouro.
Respondi-lhe que não se sabe, a Justiça terá de deslindar, mas ele, perdido a remoer os seus medos, não me ouvia, demorou com a última pergunta:
- Mas diga-me lá, como é que um sujeito chega àquelas alturas?
Foi a minha vez de ficar calado. 
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Publicado no CM