"O que está em causa é suspeitar que Ronaldo pode ser a mais recente
defesa de uma das múltiplas variantes do pensamento de Roland Barthes e o
que me apercebo, no caso deste específico jogador, é da exemplar
construção de um mito que, como todos os mitos, heróis ou heróis
mitológicos, resulta da frustração que se encontra na ausência de Resposta, da falha (Barthes, o meu querido sábio, chama-lhe manque)
de um elemento agregador que possibilite a coesão de um povo, da
urgência, tantas vezes inconsciente, de local de partilha, um
lugar-comum que possibilite a resposta unânime do colectivo ao
desconhecido, ao inseguro, à treva e à sensação de incompletude vivida
no presente.
Ronaldo é assim a matéria-prima que enforma o mito encarado, barthianamente,
como contraponto a uma falha, a uma ausência colectiva de respostas e a
sua transformação em herói divino - já existe uma velhinha que afirma
ter largado as muletas, voltando miraculosamente a andar sem apoio,
quando caminhava para depositar flores aos pés da estátua do futebolista
- é quase imediata porque contém as qualidades essenciais aos heróis
mitológicos: é consensual, é grupal, pode ser mesmo societal, é comum, é
agregador, unificador, é passível de se tornar símbolo - sobretudo
inconsciente -, de um povo que teme a sua visível desconstrução e que
tem urgência de se edificar do nada, é identificador, é simples, é
reconhecido como o mais básico ideal de honestidade pura com rastos de
uma ingenuidade primeva, é a projecção estável de uma comunidade em
desequilíbrio, é a Resposta clara a uma falha sentida trágica e sem solução pela colectividade, sendo portanto capaz de se erguer como projecção mitificada de um povo.
Quando
todos pensam a mesma coisa, é porque ninguém pensa grande coisa ou
porque a coisa pensada foi tornada divindade e como todos os deuses, a
coisa assim pensada é moldada com o barro dos que a pensam." Aqui