É exagero, e dos grandes, mas a despeito do seu modesto metro e sessenta e dois, tudo para o Adalberto parece existir, ou acontecer, em função da extrema capacidade que possui de aumentar, ver em grande, nada ou pouco referir sem que deite mão a superlativos.
Há assim ocasiões em que, arrastado pelo entusiasmo, esquece que nem todos têm paciência ou apreciam ouvir tanto exagero, resultando daí uma ou outra desavença, com a costumeira troca de remoques e subentendidos. Mas é tudo entre amigos, a arrelia logo passa, ele próprio encolheu os ombros quando descobriu que lhe tinham mudado a alcunha de “Lupa” para “Telescópio”.
Contudo, tempos atrás, a amizade que vai em três décadas os une, esteve em risco de chegar ao fim. Aconteceu isso na noite em que ouviram o Adalberto anunciar que, com força de vontade e paciência de santo, tinha finalmente aprendido o suficiente da técnica da leitura labial, para ali no café, ou na rua até certa distância, compreender o que as pessoas dizem.
A primeira reacção foi de gargalhada, mas ele não levou a mal, mostrou-se cordato, explicou que era uma aprendizagem difícil, demorada, nada do tipo de procurar na internet e o Google dar uma ajudinha.
Fiel ao princípio de ver para crer – daí a alcunha de “São Tomé” – o Azevedo propôs que se fizesse uma experiência: ele e o Camilo iam encostar-se ao balcão, conversavam um bocado virados para o “Telescópio”, e assim se tirava a prova dos nove dele ser de facto capaz de ler os lábios à distância.
Contam os que assistiram, que só visto se acredita o banzé em que aquilo deu, e quantos braços foram precisos para segurar o “Telescópio”, que dizia ter “lido” se já saberia que tinha galhos, os acusados a jurar que só tinham dito que no dia-a-dia tudo são alhos e bugalhos.