domingo, julho 28

Farturas e enfartes

 

São muitas e vontade nunca me falta, as ocasiões em que me sinto perto de mandar tudo às favas, perder as estribeiras, pôr fim à aparência de sujeito bem-educado, paciente e de sorriso pronto. O  pachorra que aguenta a impertinência de A, a maluquice de B, o ar pomposo de C, a ignorância deste, a verborreia daquele, a autoestima do outro, a fingida humildade do santinho, a quem e a sério, o que apetecia era dar um pontapé, mas dos bem acertados, e naquela parte que D. Aninhas, senhora de boa família, definia como sendo “onde as costas acabam e as pernas começam”.

O caraças é que o peso dos anos - os meus – de quase tudo faz empecilho, obriga a cautelas, lembra e relembra que não é questão de poder muscular, mas o ukaze de que me mostre conforme à imagem que eles de mim criam, as reacções que esperam, a quase certeza de que correspondo ao clichê: o papa-açorda a quem, depois de tantos anos de estranja, se desculpa que não compreenda tudo muito bem, e se tenha de lhe explicar que isto está muito mudado, mas mesmo muito.

Sei eu que vão para o Algarve os mais ricos do mundo? E os mais famosos? Que se calhar passeiam por lá mais milionários do que na Suíça? Já ouvi falar da Taylor Swift? Que ela esteve em Lisboa, e foi a única vez que, com o entusiasmo do público, se sentiu o chão tremer como num terramoto?

Sorrio,  arregalo os olhos e aceno que sim, manso que nem um cordeirinho. Se não me acautelar deixo escorrer a baba, enquanto nos pordentros tudo é turbulência e mau modo, desejo teatral de mocadas, berros, insultos. Farto deles, de mim próprio, mundo que julguei o meu, mas agora vejo com óculos que tudo transmudam e transformam, deixando-me às aranhas em busca da realidade. A do meu antigamente.