terça-feira, outubro 11

Que mal fiz eu?

 

É inteligente, sensível, culto, bondoso, fiel na amizade. Vive numa casa de sonho à beira-mar. Proprietário por herança de desmesuradas extensões de terra e rico em proporção. Dum bom humor proverbial, mau grado a tragédia que há mais de vinte anos lhe ensombra a vida: logo depois do parto do único filho a mulher enlouqueceu e vive desde então isolada em casa. A criada que a cuida aprendeu a conhecer os sintomas e quando se torna necessário dá-lhe os remédios, veste-lhe a camisa de forças e fecha-a num quarto para evitar que nos ataques de fúria ela se mate ou mate alguém.

Até há pouco, a única verdadeira alegria da sua vida era o filho, que brilhava em Lisboa no estudo da Arquitectura. Mas meses atrás atacou-o a mesma doença da mãe e teve de ser internado. Sem esperança de cura, no dizer dos médicos.

"Que mal fiz eu para Deus me castigar assim?" pergunta ele.

Deus, infelizmente, responde do modo como sempre escreve: por linhas tortas.