Desejo de altos voos sempre tive e continuo a ter, porque também para isso a idade não dá cura. Mas altos voos é modo de dizer, são antes esperanças, sonhos tontos, aqueles que nos tomam antes do adormecer, quando o entendimento abranda, dando a ilusão de que podemos moldar o amanhã e corrigir os desmandos do passado.
Numa miragem recorrente vejo-me bem outro do que sou, espanto-me da facilidade que então tenho de resolver questões, evitar atritos, ver só harmonias, de fugir aos perigos e amar o meu semelhante com o fervor que recomenda o catecismo.
O despertar recambia-me para o trivial, e quando me vejo ao espelho não reconheço o sujeito, demora a que a imagem da realidade se sobreponha à da fantasia. Com verdade digo então para comigo: cá estamos. Porque realmente somos dois, o dos altos voos e o que se pergunta que maldição o impede de voar.