sexta-feira, junho 25

Minuete

Na sala as luzes permanecem acesas. Deitado no palco um homem ressona, enquanto outro começa um discurso. Uma rapariga dá passadas incertas, pensa, suspira, hesita, finalmente tira a cuequinha, abre a braguilha do dorminhoco, puxa-lhe a coisa, monta-o, copula com ele a sério, longamente, até ao orgasmo.

Entram em cena mais personagens que, aos saltos, se vão dando pontapés e bofetadas. Nada de fingimentos ou stunts de filme, mas no duro. Partem-se copos, atiram-se vasos, racham-se cadeiras nas costas deste, noutro corpo aparece sangue de verdade. Vêem-se mais cópulas.

Continuam os pontapés, os socos acertam no alvo, esgadunham-se caras, puxam-se cabelos, corpos rebolam,  machucam-se as partes deste, os seios daquela. Lá para trás apercebem-se os vaivéns da sodomia, só que a confusão e o borborinho mal deixam distinguir. Alguns dos personagens vão pelas coxias, aproximam-se dos espectadores, olham-nos em silêncio, regressam ao palco, retomam a pancadaria e o fornicar.

Desculpem a expressão, mas já agora!... Ao longo de duas horas fodeu-se ali com entusiasmo, e o mesmo valeu para a porrada. Houve sangue e suor, lágrimas nenhumas. No final o público desvairou no aplauso.

Foi a première de um bailado moderno umas semanas atrás, no Stadschouwburg, a sala de teatro mais prestigiosa de Amsterdam. Oiça lá, o que é que estava a imaginar? O título é Blush, e por isso mesmo as luzes ficam acesas, para ver se o público cora.

No dia seguinte o coreógrafo revelou nos jornais a intenção profunda da sua obra: obrigar-nos a aceitar a realidade das nossas miseráveis vidas e admitir que a violência está presente em tudo.

Pensa você, por acaso, bater na namorada, na mulher? Na sogra? Talvez na mãe? Violar a vizinha? Tem a menina vontade de capar o gajo ou quebrar-lhe uma garrafa na cabeça? Prepara-se você para arrear as calças e sodomizar a cara-metade?

Não o façam à bruta, que isso é feio e passé. Sejam cultos. Comecem por um entrechat.   

 

(24.07.2003)