O primeiro comprei-o em 1996, o que deveria ser razão de sobra para me ter habituado ao "bicho", mas verdade é que em vez de se me tornar familiar e útil, o telemóvel caminha a passos largos para que o veja com ares de intruso, pelo que mexo nele o menos possível.
Cresci nos anos trinta, quando o telefone era uma maravilha de que poucos dispunham, e se na juventude o achei útil, o seu funcionamento dependia por vezes da telefonista que fazia a ligação. Em finais dos anos cinquenta, recordo ter lido que numa conversa em casa do escritor Aldous Huxley, que vivia então em Hollywood, um cientista afirmou que não ia demorar a que cada pessoa trouxesse um telefone no bolso, o que levara alguns dos presentes a rir às gargalhadas e outros, irritados, a protestar que não apreciavam ser tomados por papalvos.
O milagre demorou umas décadas, mas hoje é o que se vê, e rara é a paisagem, seja ela urbana, familiar, a dos Alpes suíços, de Manaus ou das Aleutas, em que o telemóvel, além de presente, ganhe ares de figura principal. É tão corrente que se torna excessivo, anotar quantos casais entram num restaurante como se fossem estranhos, cada um indiferente ao outro, dando ao aparelho a atenção que numa sociedade civilizada e menos doente caberia ao parceiro.
Como uma coisa leva a outra, sobre isto de ligações com fios, sem fios e da internet das "nuvens", recordo por vezes uma outra história de telefones em tempos há muito passados.
O escritor realista Emile Zola (1840-1902) tinha feito fortuna com os seus romances, vivia na abastança e, grande vaidoso que era, decidiu que em Paris seria ele a primeira pessoa a instalar o telefone em casa. Essa primazia, contudo, não lhe pareceu suficiente, e para dar o máximo relevo à inauguração do aparelho decidiu que seria uma excelente ocasião organizar um jantar em honra de Victor Hugo (1802-1885) personalidade de enorme prestígio e poeta de fama universal.
Ao fim do jantar, chegado o momento de demonstrar o aparelho, ouviu-se o retinir da campainha e Zola, inchado de vaidade, levantou-se para ir atender. Depois de ter trocado umas quantas palavras pousou o auscultador e voltou triunfante para a mesa. Só que em vez do pasmo e aplauso que esperava viu que a cara de Victor Hugo era de poucos amigos e as suas palavras lentas e mordazes:
- Oiça, Zola, então se um patusco qualquer lhe quer falar liga para aqui, a campainha do aparelho toca e você, como um criado de servir corre a atender? Acha isso decente? Perdeu a vergonha!"