"Fez-se um silêncio que o ti Maricas quebrou no seu modo chocarreiro, dizendo que com vontade ou sem ela eram horas de dar o trato aos animais.
A rapariga levantou-se, foi tirar a caldeira que fumegava presa nas lárias, pousou-a no chão, e abrindo uma saca de farelos derramou duas ou três mão-cheias deles na água da vianda.
Ao ver-me a olhar para a caldeira a tia Teresa perguntou se eu já tinha visto os porcos. Respondi-lhe que não, só as vacas e as parelhas. Pois se não tinha, continuou ela, fosse com a Ernestina que ela mos mostraria. Ia ver que eram bichos valentes, capazes de na matança pesarem doze arrobas cada.
A minha vontade era dar uma volta, mas a tia como que me barrava a porta, acenando que fosse atrás da rapariga, que nesse momento saía da cozinha, a caminhar curvada de lado devido ao peso da caldeira.
Passei-lhe à frente a abrir a primeira cancela e nem sequer me olhou. Na das vacas o mesmo. Mas ao passarmos pelas mulas avisou que não me chegasse perto da ruça, que era arisca, capaz de me dar algum coice. E dizendo aquilo sorriu, eu sorri, surpreso com o timbre ligeiramente rouco da sua voz.
Os porcos eram de facto avantajados, uns montes de gordura, a ponto que devido ao peso as orelhas de um estavam rachadas junto da cabeça. Ernestina meteu o braço na caldeira a remexer a vianda e abrindo a cancela da pocilga empurrou os animais que, sôfregos, a não deixavam passar.
- São grandes, não são? - perguntou, enquanto dum lanço lhes despejava a comida na pia.
Acenei que sim, evitando olhá-la, perturbado por estarmos sós e ela tão perto que quase me roçava. Perturbado também pelos cheiros do seu corpo, que eram de suor e do fumo da lareira, de resina, de bedum, misturados a outros, densos e indefiníveis.
Ela a coçar lentamente o lombo dos porcos que, regalados, paravam de comer para grunhir. Eu tomado do sentimento contraditório de invejar aquelas carícias, e temeroso de que num repente, adivinhando o meu anseio, ela se abraçasse a mim."
in Ernestina - Quetzal, 2001