Primeiro com o cinema, depois a televisão, agora a internet, quem já chegou a certa idade sabe que vai desaparecendo aquele tipo de homem para quem o jornal era uma indiscutível fonte de informação e certezas, que depois no café ou numa roda, num jantar de amigos, apresentava como suas e uma vez por outro lhe valiam um momento de admiração.
O senhor Macedo foi desses. E não lhe perguntem a idade, porque responderá que já viveu o bastante e ainda conta ficar por cá uns tempos, quanto mais não seja para ver confirmadas algumas das suas previsões e também pela curiosidade de saber onde isto vai parar.
Este "isto" pronuncia-o ele acompanhado de uma expressão rosto que há muito se lhe tornou um tique, arrepanhando os lábios a significar que só poderá acontecer o pior, e que é menos uma questão dos perigos que este coronavírus traz consigo, do que a atitude das pessoas em geral, cada vez mais inclinadas a acreditar no que lhes parecem milagrosas tecnologias, como as vacinas, desprezando ou esquecendo quase tudo o que ao longo dos séculos ajudou a que, saídos das cavernas, tenhamos alcançado este grau de civilização.
- É aí que a porca torce o rabo – continua ele, tomando agora o ar do velho sábio que já viu muita coisa e perdeu a esperança de melhoria. A adoração dos ídolos da modernidade e o desprezo pela verdadeira fé, aquela que dá força para remover montanhas.
Chegado a esse ponto das suas considerações, e naquele modo que alguns anciãos têm de subitamente mudar de assunto, causado talvez pela fragilidade do cérebro ou por se darem conta de que aborrecem, o senhor Macedo força um sorriso de desculpa, e dispara como que à queima-roupa:
- Venha daí comigo que não vai embora sem provar o licor que o ano passado fiz. É que desta vez saiu mesmo bom.
A particularidade deste episódio não está nas palavras ou opiniões do senhor Macedo, mas no sermos da mesma idade, nos conhecermos a vida inteira, e não estarmos no seu quintal mas no jardim do lar onde vive há anos, na ilusão feliz de que na sua vida tão pouco mudou que toma por filha a rapariga que vai a passar e lhe manda que traga os cigarros que deixou na cozinha.
Depois, com interesse e o modo atencioso que sempre lhe conheci, pergunta se tenho tido boas notas na universidade e ainda continuo em Direito. Aceno que sim, mas nesse instante vêm buscá-lo para o lanche e já ele me esqueceu, embora não de todo, porque o oiço perguntar se era o neto ou o sobrinho o rapaz que tinha estado com ele.