Tudo bem contado passei quase um pouco mais de três décadas na Universidade de Amsterdam (bem quero respeitar a ortografia, mas Amesterdão soa-me estranho) a ensinar Literatura Portuguesa e Brasileira, e se guardo boas e más recordações desse tempo, o pensamento que com mais frequência me ocorre é que a minha preferência ainda vai mais para aprender do que para ensinar, o que com a idade que tenho pode parecer estranho ou sinal de preguiça, mas felizmente não é. Guardo uma genuína curiosidade pelo que perto e longe acontece, como mantenho também uma saudável capacidade de azedume e continuo o hábito de guardar o coração muito perto da boca.
Ocorre-me isto a propósito de uma ou outra ocasião perdida, amizade descurada, patifaria que sofri, malandrice de que não me soube defender, o mesmo é dizer que por vezes, nas horas a que chamamos mortas, me ponho a desfiar momentos e episódios do passado, perguntando-me porque me aborreci com este e aquele, que cegueira me deu para não ver que a amizade de fulano era a típica hipocrisia do arranjista.
Não é ocupação em que me perca demasiado, mas de vez em quando uma imagem, um pequenino episódio, um som, como que disparam uma enfiada de recordações, assim a modos de querer realizar um filme e dar-me conta que são execráveis os personagens, tão destrambelhada a sequência dos episódios que não adianta querer fazer com eles um todo.
Desta vez, porém, antes que o ecrã anuncie The End, aparece a triste figura de um que julgando me dava um pontapé se embaralhou no lance e sofreu a mais dolorosa das quedas: aquela que só o próprio vê mas a memória não apaga.
Um post scriptum, porque o comportamento de alguém me veio hoje confirmar que muito português é pronto e até gentil no pedir, mas raro se sente levado a agradecer.