Estas coisas acontecem. Tive ontem um desagradável encontro e uma também desagradável conversa com um brasileiro desses que, agora que é moda, se queixam do que desde que Pedro Álvares Cabral por acaso lá chegou, você eu, os nossos pais, avós e trisavós temos feito de mal ao nobre país de Ordem e Progresso.
Aguentei um bom bocado até que o sujeitinho desandou às loas sobre a Literatura brasileira e o que o mundo em geral e nós em particular lhe devemos.
A minha reacção foi num tom que não é próprio para
ser ouvido em sociedade, e assim aguentei até agora que a noite está a cair e
para aliviar repesquei este texto antigo:
Do modo como as coisas andam, talvez esteja na hora de abrir o armário, tirarmos de lá o patriotismo, sacudir-lhe o cotão e o pó que acumulou e, deitando-o pelos ombros, sairmos orgulhosamente com ele à rua.
A moda é outra? Razão de sobra para fincar pé, dar prova que, como os homens, também os países não se medem aos palmos, pôr fim à choradeira de que somos pequenos, deixarmo-nos de medos, de invejas, sentir honra do que temos de excelente, acabarmos de vez com a bacoca admiração do exótico.
Dá-se o caso de quererem agora os brasileiros descartar o ensino da nossa literatura. Pois que descartem, fiquem com a sua e bom proveito lhes faça, embora não me conste que, fora dos guetos universitários, se saiba no Velho Mundo, na jovem América do Norte ou na Ásia milenar, que o Brasil possui uma literatura, menos ainda uma como a nossa, com pergaminhos e a brilhar há séculos.
Talvez noutra altura me inclinasse a deitar água na fervura, elogiando, por exemplo, os grandes romances de Paulo Coelho. Mas nada de cortesias: é lembrar-lhes donde vêm e o que nos devem.