"Seja-se a favor ou contra uma Europa federal, não faz sentido que, como nação soberana, a Holanda seja desmantelada sem a aprovação dos cidadãos. Quanto mais não fosse senão porque é difícil imaginar como seria possível que uma Europa federal pudesse alcançar algum poder sem o explícito assentimento dos cidadãos.
Um cenário como o da Itália fica à espreita. É uma nação que foi criada por um segmento da classe política, e mesmo passado mais de um século e meio de integração continua a ser uma nação frágil. A lealdade (dos cidadãos) é para com as cidades, as aldeias, as regiões, não para com Roma. Mil e cem anos da República de Veneza (697-1797) não se apagam de um dia para o outro.
Por isso a Itália sempre foi um joguete de outros estados: a Grã-Bretanha, a Alemanha, a França, os Estados Unidos, e nos últimos tempos a China, que vai ganhando influência. A classe política que formou a Itália desejava que através da unidade se evitasse que as cidades, as repúblicas e os pequenos reinos da península se tornassem o joguete doutros…
Foi sempre esse o argumento da França para a integração europeia. A posição de uma Europa sob o mando de Paris, livre dos Estados Unidos e da União Soviética, actualmente dos Estados Unidos, da China e ainda da Rússia…
A perspectiva da França para União Europeia – e a da sempre "obediente" Alemanha – é a que conta. Ou como disse Bruno Lemaire, o ministro francês das Finanças: "A França e a Alemanha chegam a um acordo, o resto só tem de concordar."
Assim a lição que se pode tirar do século e meio da situação da Itália deveria ser que os cidadãos dos países da União Europeia explicitamente desejem trocar a lealdade nacional pela lealdade federal. Se tal não acontecer resulta daí uma construção intrinsecamente fraca. Enquanto que o poder primário – impostos, monopólio do poder, política exterior, direito, moeda, fronteiras – tudo se encontra ao nível da União Europeia, enquanto que a lealdade dos cidadãos é nacional ou regional. Isso pode levar a que, conscientemente ou não, os cidadãos da União Europeia a vejam como uma "força ocupante". Os italianos cospem em Roma, tentam escapar ao fisco e esquivar-se aos regulamentos de Roma. Só quando Roma começa a distribuir dinheiro é que saem à rua com a bandeira italiana.
A União Europeia vai pelo mesmo caminho. Bruxelas vai ter para os cidadãos europeus o mesmo significado que Roma tem para os italianos. Será que os holandeses querem isso? Parece duvidoso."
(Tradução de um excerpto de um artigo de Jelte Wiersma – Blijt de kiezer dit pikken? - "Continuará o eleito a aceitar isto ?", no semanário neerlandês Elsevier de 01.08.2020