Não vi, mas isto deve estar na Visão de hoje. A fotografia é do parque de que se fala.
Como gere cada dia ?
Desde que me reformei, uns trinta anos atrás, os meus dias têm alguma rotina, a que é imposta pelos hábitos, mas passo-os sem gerência ou planeamento, antes num descansado deixa andar, daí ser mínimo o espaço para que me aborreça ou deixe aborrecer. Fora isso, o facto de ser um sedentário, de facto um preguiçoso, e limitar os contactos sociais à família e a um número reduzido de amigos contribui para um grande descanso, o que de certeza desagradaria a quem gosta ou precisa de agitação, mas já antes era e continua a ser a minha maneira de estar no mundo.
Os pequenos prazeres que não dispensa, as rotinas, os projetos e/ou passatempos que o motivam e dão cor aos dias.
Não dispenso nem concebo uma vida sem leitura, e nesse particular considero-me um viciado, porque entre três e quatro horas do meu dia ou noite são passadas a ler. Com um passeio quase diário de quatro a cinco quilómetros no magnífico parque aqui ao pé da porta, alivio o cérebro e mantenho um mínimo de forma física. Passatempos não tenho. Da televisão vejo o Jornal das 8, que na Holanda dura cerca de vinte minutos, e esporadicamente vejo um filme na Netflix.
O que é mais desafiador (questões físicas, psicológicas, relacionais, existenciais), para quem tem tido uma vida cheia e longa.
É um bocado aborrecido constatar que na muita idade o corpo deixa de ser uma máquina obediente e se torna um companheiro refilão, uma espécie de amigo da onça que de vez em quando nos passa uma rasteira. Uma vez por outra também me surpreendo a desempenhar o papel de idoso, e sou razoavelmente bom nisso, sobretudo quando me dou conta que o interlocutor espera que não me mostre demasiado activo nem saudável. Em ocasiões dessas sou capaz de me queixar do que não sofro.
As coisas que deixaram de ter importância e aquelas que passam a ser essenciais.
As que deixaram de ter importância são poucas, mas infelizmente eram das principais, por isso a arte de viver de certa maneira se torna na arte de encontrar compensações suficientemente valiosas para que a recordação da perda doa menos. Sem amizade, ternura, franqueza e camaradagem não se vai a parte nenhuma.
O que pode fazer a diferença para manter-se em forma nesta fase da vida?
Do ponto de vista físico o movimento é essencial, e fora os passeios no parque tenho entre os dois andares da casa uma escada de treze degraus que certamente subo e desço dezenas de vezes ao dia.
Junte a isso a minha total ausência de inveja seja do que for, o descanso que é encontrar satisfação no que tenho, não ambicionar mais do que aquilo que a vida e o destino me dão, poder olhar para o passado sem medo nem vergonha, aguardar a morte com calma e a curiosidade de que talvez não seja um fim, mas como a palavra o diz um passamento, uma mudança.