sábado, maio 28

A revelação do corpo


A experiência já umas quantas vezes me avisou, mas que isto de burro velho não toma andadura é mesmo verdade.
Assim ontem, com dois colegas e uma simpática moderadora, numa falação na Feira do Livro do Porto, descobri, para meu mal e alguma vergonha, que há um idioma que desconheço, a saber: aquele com que o escritor se exprime e comunica ao público a essência dos seus sentimentos, experiências e vivências.
A páginas tantas senti-me como um vagão que descarrila, atrapalhei-me, tropecei, descobri  ter perdido a sintonia e, numa tentativa tosca de recuperar o equilíbrio, pus-me a discorrer sobre o que nesse momento me baralhava, mas só de longe, e pouco, tinha a ver com a discussão em curso ou as afirmações dos colegas, muito mais jovens do que eu, mas possuidores dessa capacidade que me falta.
Durante o jantar referiu alguém as palavras ouvidas a uma intelectual que, já passada dos quarenta, “tinha recebido a revelação do corpo”.
De modo que, em vez de dormir sossegado, sofri duradoura insónia, tentando em vão compreender o que me faz assim, impede de funcionar como o meu semelhante, e torna invejoso de quem diz tão belas coisas.