Conhecemo-nos há uma vida, de facto nunca gostei dela, mas mantenho o sorriso e a cortesia. Arregala os olhos, mesmo quando anuncia o comezinho. Tinge os cabelos cor de cenoura e com isso, os bonés e os sapatos muito bicudos, consegue uma boa caricatura de Popov, o palhaço russo. As suas gargalhadas são espasmódicas. Insiste em tocar Chopin, que toca mal, muito mal. Adora falar francês, e não há deus da Gália que acuda quando ela desata aos pontapés à pronúncia e à gramática da língua dos francos. É tonta. Se na companhia vê homem que lhe apetece, esquece a idade – está a chegar aos setenta – põe-se em requebros e trejeitos, faz beicinhos de menina. Não devolve os livros que se lhe emprestam. Gosta dos copos, mas há que dizer que então se torna engraçada. Faz também umas estonteantes imitações do fandango, e sapateia como se tivesse nascido em Cádiz.
Telefonou a dizer que tinha ido ao médico, porque se queixava de umas coisas vagas, cansaço, mal-estar, e depois das análises e dos exames concluíram que sofre de leucemia. Dão-lhe uns meses de vida. Diz aquilo numa voz que me surpreende pelo tom calmo, eu replico com banalidades de que depois me arrependerei. Como me arrependerei também do retrato que fiz.