Diminuído por essa dupla fragilidade que o leitor provavelmente também conhece, a minha resistência é quase nula. E assim aceito comprar automóveis em forma de banana que dão a ideia de que me sento no chão. Absorvo-me na contemplações das instalações de Hi-Fi, admirando os ponteiros que giram, as luzinhas que tremelicam, os números que a acender e a apagar comunicam informações inúteis, mas fascinantes. Já me aconteceu comer com talheres de formas copiadas do material cirúrgico e beber por copos tão esguios que um sopro os desequilibra. Quem uma vez jantou em boa companhia sentado a uma dessas elegantes mesas de vidro, dificilmente esquecerá o inusitado e pouco reconfortante espectáculo da agitação dos pés, o constante cruzar e descruzar das pernas. Para minha surpresa fabricam-se cadeiras que não são para sentar, e sofás que têm a particularidade de impedir que se levante quem por inadvertência se senta neles. Há anjinhos como eu, mas mais fascinados pela beleza das formas (e pela publicidade, mas de momento essa não conta aqui) que compram um grelhador eléctrico que lhes permite fazer sobre a mesa da sala aquilo que a higiene e a prudência aconselham que se faça somente ao ar livre: o barbecue. O fedor! A fumarada! A ameaça de incêndio!
Tempos atrás foi-me dado ver uma cama tão excessivamente adornada e equipada de aparelhos e botões que, por instantes, suspeitei fosse destinada a um desses doentes graves cuja enfermidade lhes impede o movimento e a maior parte das funções vitais. Mas não. Aquilo, segundo explicou o vendedor, era por assim dizer a última palavra em conforto e luxo no quarto de dormir: bar, telefone, televisão, vídeo, rádio, quadrofonia, colchões posicionados electricamente, relógio de quartzo, espelhos de ângulo variável no tecto e dos lados (Para quê? perguntarão os ingénuos).
O estranho é que, por surpreendente e inesperada analogia, aquela cama me levou a recordar o modelo dos automóveis Studebaker criado por Raymond Loewy no final dos anos 40, o qual, com a sua frente estilizada de avião de caça. carroçaria baixa e, nalguns modelos, rectaguarda de leme duplo, oferecia à sensibilidade inconsciente do pai de família – do mesmo modo que a cama descrita oferece – a ilusão de se achar aos comandos de uma maquinaria capaz de o tornar rei na estrada, transformar o seu medíocre erotismo em feitos de Casanova.
De facto, e não vale a pena querer esconder evidências nem atirar a primeira pedra, todos nós nos achamos em maior ou menor medida sob a influência dos que, dando forma aos objectos, aos utensílios e às máquinas, criam o ambiente em que vivemos.. Mas é pena que, pelas razões complexas que determinam o funcionamento da sociedade e exigem a satisfação dos desejos das grandes maiorias – pois só elas geram os grandes lucros – o design muitas vezes siga a tendência geral para o infantilismo.
Um mundo de ficção e sonho é provavelmente a condição necessária e a maneira mais saudável de enfrentar a crueza da realidade. Mas então um sonho que nos eleve acima de nós próprios e nos faça melhores, não aquele que nos rebaixa a ansiar pelo simplismo patológico falsamente colorido da banda desenhada onde, voando de um planeta para outro, super-homens derrubam super-monstros.
Não é função exclusiva do designer o ajudar-nos a existir pela imaginação num mundo melhor e mais belo, mas porque a sua contribuição é das mais directas, e de impacto quase imediato, maior se torna a sua responsabilidade pelos elementos do nosso sonho. (cont.)