Leio de vez em quando a notícia de que o escritor Sicrano ou o literato Beltrano entregaram à Biblioteca Nacional as suas correspondências. Detalha quase sempre a notícia de que se trata de correspondência trocada com "importantes figuras do tempo", apontamento esse que por várias razões me diverte.
Imagine-se você a escrever pelos anos adiante coisas sérias a figuras importantes, a guardar cuidadosamente as folhas de prosa, catalogá-las por data e destinatário, apertar os maços com fitas de seda e, cinquenta anos depois, avisando os jornais, ir pomposamente de fato e gravata entregar o espólio à BN.
Terá essa gente uma tão exagerada certeza da sua importância que espera que alguém se interesse pelo que escreveu ou deixou de escrever? Pelas frases que arrebicou? As sentenças que produziu? As amizades que teve?
Num mundo de rapidez, superficialidade e esquecimento, é pelo menos curioso que haja quem espere ficar na memória colectiva depositando uns quantos papéis. Garanto-lhe eu que não fica, como não ficaram outros que no seu tempo foram pesos pesados. E a propósito de cartas recordo o que noutro lugar escrevi: as únicas que valeria a pena guardar são aquelas que se deitaram ao lume para que delas não ficasse rasto.