domingo, outubro 20

Os lados da barricada

 

Tempos houve em que a barricada tinha dois lados: num juntavam-se os que queriam atacar, no lado oposto os defensores.

Essa simplicidade há muito teve fim, mas bem pode ter sido ilusão minha, pois com isto dos anos é arriscado fazer afirmações definitivas. Além de que tudo muda, e de tão estranha maneira que, de verdade, talvez já nem se possa usar o termo no sentido antigo. Isso devido a que, desde a luta por direitos e à escaramuça nas ruas, até ao mais que excessivo multiplicar de ideais, partidos, certezas,  exigências e modas, hoje em dia tornou-se difícil, de facto quase impossível, tomar uma atitude e erguer uma barricada. O ingénuo que ouse tentá-lo, logo decobrirá que, do lado oposto ao do seu desagrado ou exigência, não vai encontrar um oponente, nem meia dúzia deles, mas mais do que quantas formigas saem a correr dos buraquinhos subterrâneos, assim que lhes cheira a açúcar ou rato morto.

Ficasse o transtorno por aí, poder-se-ia apelar à calma e restos de bom-senso, mas tanto esse como aquela vão indo a caminho das raridades, de modo que sendo prioritária a paz de espírito e desejável o descanso do corpo, resta o clássico encolher de ombros.

Parece uma atitude cobarde, mas está longe de sê-lo. Sabem-no em demasia os que já se viram em palpos de aranha ao descobrir que não há barricadas que separem, e resultam sempre mal as imitações de Dom Quixote.