domingo, outubro 13

O Inferno somos nós

 

L’enfer c’est les autres”. Os outros é que são o Inferno, sermoneou o franciú zarolho, no tempo em que por mais isto, aquilo, e abonados dons de vaidosa genialidade, recebeu o Nobel da Literatura, para de seguida orgulhosamente o recusar, pois temia que essa honra viesse a contribuir para a diminuição do apreço da sua obra.

Podem culpar-me de azedume, mas fosse eu dado a malícia perguntaria se ainda por aí há quem leia Sartre, embora me veja obrigado a confessar que no longínquo passado dos anos cinquenta o li, mas sem entusiasmo, incapaz de compreender o seu arrazoado, e assim não conseguir entrar na fileira dos que o tinham por apóstolo.

Porém, o que agora aqui vem ao caso, é refutar a afirmação do célebre filósofo, e defender que os outros de modo nenhum são inferno. Se porventura o forem, ou nele ameacem tornar-se, pouco custa sorrir um adeusinho, virar-lhes as costas e – em pensamento, claro – aplicar-lhes no sítio devido um bem assente pontapé de adeus, que isso em geral resulta.

A dificuldade está em provar que o Inferno existe, o Inferno das labaredas de fogueira colossal, e suplícios que tornariam suportáveis os tratos de polé da Santa Inquisição. Vénia pois a Dante, que o imaginou e descreveu. Vénia também aos sacerdotes da Santa Madre Igreja, que se estafam a apregoar a ameaça de para lá irmos, o perigo que corremos a cada passo que que nos leva a sair do bom caminho.

Nesse Inferno sou incapaz de acreditar, e o semelhante só me incomoda na medida em que lho permito. Contudo, do que não conseguirei libertar-me enquanto viver, é do inferno que transporto comigo a modos de mochila, donde inesperadamente, em graus variados mas sempre dolorosos, saltam medos e ameaças, falhas, amarguras, vergonhas, ocasiões perdidas.