Teria quatro anos, deve ter sido a primeira vez, e se bem recordo levaram-me à praia de Lavadores. Foi mesmo terror, aquelas gigantescas massas de água a rebolar e ameaçadoras, dando a impressão que nos viriam engolir. E assim nunca fui de beira-mar ou praias, não só pelo marulhar constante, a inquietude das ondas, o vento, a areia, mas ainda e sobretudo pelo espectáculo da humanidade em pêlo.
É grande o respeito que me merece o semelhante, e desde há vidas considero o vestuário um dos atributos que muito tem contribuído para a harmonia da sociedade e a paz dos olhares. Daí que a praia se me afigure a versão moderna de uma Cour des Miracles medieval. Os corpos que não ferem os olhos ou os alegram, são gota de água naquele Oceano Pacífico da exposição praticamente nua de adiposidades, fealdades e porcalhice, de modo que uma passagem pela praia – as minhas são poucas, em maioria por razões de ofício ou obrigado pela companhia – tem consequências graves para o sossego da alma, o sono da noite, o respeito que devo ao próximo.
Nessas ocasiões, involuntariamente obrigado a presenciar, incomoda-me a passividade daquela massa de gente que, espichada ao sol, involuntariamente provoca a imaginação de horrendas cópulas, hábitos vis, atitudes indecentes, satisfações alvares, traques e arrotos.
Para paz de espírito
e sossego com o semelhante, dêem-me a rua e a roupa.