Quando numa conversa são grandes as diferenças de idade entre os presentes, há casos que só se podem contar debitando cansativos detalhes sobre um passado distante, pois de contrário os mais novos não compreendem, aborrecem-se, ou soltam os gracejos próprios da juventude e da sua ignorância do passado.
Foi assim que numa roda em que éramos quatro já acima dos oitenta, e os dois netos do Figueiredo, um de dezoito, o outro dois ou três anos mais novo, quando o Bernardino começou a contar o caso os putos logo resmungaram que era uma chatice, não estavam a compreender nada.
Paciente e sempre bem humorado, o Bernardino fez um sinal de paz, deu-lhes razão. Claro que com aquela idade os rapazes não faziam ideia de ter havido um tempo em que se desconhecia o que eram férias, e salvo ser ele uma excepção, os idosos ali presentes ainda tinham trabalhado aos sábado de manhã.
Contou então que lera o caso a noite passada, mas não conseguia sentir-se em paz, tanto pelo absurdo que aquilo lhe parecia, e de várias maneiras uma falta de respeito, mas também por ter ideia de que as mudanças são já tão profundas, que lhe pareciam a meio caminho do incrível e do absurdo.
Contou então o caso de dois americanos, que no começo do Verão se tinham alistado e combatido como voluntários das forças ucranianas, mas anunciado agora aos comandantes que em Maio não contem com eles, porque estarão de férias em Ibiza.
- Então se quiserem não podem ir de férias?
O espanto dos rapazes era genuíno, mas contradizendo a natureza que lhe conhecemos, tivemos a impressão de que o carinhoso e pacífico Bernardino só por um triz não deu uma bofetada no Jorginho, o que lhe estava ao lado.
Felizmente conteve-se, ficou a resmungar, ouvimo-lo dizer que um mundo assim, com gente que quer férias durante a guerra, quanto mais depressa acabar melhor é.