Veio apressado, o sorriso largo, a acenar com o jornal, querendo saber se já me tinham dado a boa nova. Tinham, mas mesmo assim desdobrou o Expresso, abriu a página dupla a mostrar que daqui a nada voltam a abrir as minas de ferro de Moncorvo, para nós ao pé da porta.
- Vai ser um assombro! Muda tudo!
Conheço-lhe o feitio e os entusiasmos, o gosto inocente pelo exagero, aquele modo do doutor Margaride de A Relíquia: "Ninguém como eu aprecia o grandioso!"
Diga o jornal que são mil e quinhentos milhões de euros, ele tem outras certezas, sabe-o de fonte limpa:
- Cinco mil milhões! Ou mais!
Segura-me o braço, olha cauteloso em redor não vá alguém ouvir, porque a coisa ainda é confidencial:
- Vão pôr cá os altos-fornos! Disse-mo um engenheiro da barragem, primo da minha mulher.
Oiço-o com o ar compenetrado que o assunto pede, e ele, certo da minha atenção, entra em transe. É em simultâneo perito do minério, das finanças, do urbanismo, do meio ambiente, aponta o que vão desviar, o que vai crescer, descreve luxos futuros, apoia-se agora no semanário e garante, exaltado, talvez a temer que eu, desdizendo-o, quebre o feitiço:
- Isto vai ficar como Lisboa! Ou até melhor! Vamos ter auto-estradas, vamos ter hotéis, vamos ter infraestruturas…
- Infraestruturas?
Malícia minha, esta rasteira de pedir definição, mas ele apara o golpe:
- Infraestruturas, sim senhor. Tudo como na capital. E já não é sem tempo, que também temos direito.
Entra agora numa explicação de como vai ser o transporte do minério, por onde passará a linha do comboio, as dragagens que vão fazer no rio, mas para seu desgosto o cansaço não me deixa acompanhar mais visões.
Contudo, ainda tenta: - Olhe que isto vai mudar o país!
Aceno que sim e sorrio, sem coragem de lhe dizer que no que toca a pátria nenhum sonho me conforta.