segunda-feira, agosto 21

As férias não são remédio


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 O avô aristocrático das nossas democráticas – a tentação é grande de dizer plebeias – férias, o Grand Tour, nasceu por volta de 1550, quando os lordes começaram a mandar os filhos de visita à França e à Itália, na esperança de que voltassem com instrução e boas maneiras.
Nos séculos a seguir, fugindo ao nevoeiro de Londres, os lordes optaram pelo Inverno na Riviera, e atrás deles vieram os colossalmente abastados príncipes russos. Em Fala, memória conta Nabokov que no início do século vinte os seus pais, que nem eram dos mais ricos, viajavam para a Riviera em dois comboios particulares. Num ia o pessoal com a bagagem, mantimentos, cavalos e carruagens. O outro, oferecendo à família o conforto de um hotel de luxo, saía de São Petersburgo dias depois,
Mas o Grand Tour como que saltou dos salões para a rua quando, a partir da década de 30, os sindicatos franceses exigiram o mês de férias pagas. O privilégio foi alastrando,(*) e hoje, mais que um direito, as férias como que se tornaram um fim em si, uma razão de vida.
Ironizar seria fácil, mas injusto, longe de mim contradizer a necessidade que tem de descanso e diversão aquele que se esfalfa a trabalhar, ou a quem as tribulações põem de rastos. Dá-se porém o caso de ser deturpada a minha visão do fenómeno, pois vivo num país onde as férias se tornaram uma espécie de panaceia que, fadigas do corpo, dores da alma, tudo cura ou alivia. Morte de ente querido, desastre, mal-estar, aborrecimentos da vida, quando enfrenta isso o holandês informa logo: vou-me de férias. E vai. Com uma média anual de quatro períodos de férias, nenhum outro europeu lhe leva a palma. A rapaziada que  termina o secundário tira logo um ano para ir correr mundo. No dia do seu divórcio a vizinha veio anunciar que se despedia: tinha as malas feitas e para superar o percalço abalava a gozar um mês de férias em Bali.
Sou eu invejoso? Espírito contra? De modo algum. A razão por certo está do lado dos milhões de turistas que o ano inteiro vão e vêm com o nervosismo de formigas. O que quero dizer é que me custa acreditar no valor terapêutico ou restaurador das férias. Umas semanas de repouso poderão, talvez, muito talvez, aliviar um cansaço, mas viagem nenhuma, exotismo nenhum, liberta dos pesos da alma e do coração.
As férias são bom negócio, mas nem sempre o bom remédio.
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(*) Alastrando devagarinho, note-se. No Canadá, nos anos 50, dez anos de emprego davam direito a três semanas de férias, a gozar quando o patrão decidisse.
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Publicado na DOMINGO CM.