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Temos de nos encontrar, diz ele ao telefone, porque é urgente tratarmos do
assunto, não vá o advogado mudar de ideias e fazer com que a coisa se arraste
ainda mais.
Mas dado o aperto de mão e pedido o café, ele parece ter esquecido a
urgência do encontro e, de certo modo, ter também esquecido a minha presença,
porque saca do telemóvel, com um dedo nervoso faz deslisar fotografias no ecrã.
- Chegámos ontem!
- Não sabia que tinha ido de férias. Conte. Outra vez na
Sicília?
- Sim, e em Malta.
Um bocado desagradável com os refugiados. Também demos uma volta pela Tunísia.
Monastir, Sousse.
- Mas não é
perigoso?
- Já não. Está tudo calmo. Depois estivemos em
Alanya.
- Onde é isso?
- Na Riviera
turca.
- Muitos alemães?
- Não. Muitos
russos.
- Do tipo bruto?
- Alguns. Mas
foram umas férias inesquecíveis. Três
semana incomparáveis. Ainda melhores do que as do ano passado, quando estivemos
em Chipre e Israel. Então visitámos uns quantos museus, o Muro das Lamentações,
o Santo Sepulcro. Agora também vimos imensas coisas, encontrámos gente
interessante, bons contactos, por acaso uns noruegueses que nos convidaram a
irmos lá no Verão. Acho que vamos aproveitar, porque da Escandinávia conhecemos
muito pouco.
Põe o iPhone na
mesa para que eu veja, mas com a quantidade de imagens e o entusiasmo com que
pede atenção para isto e aquilo, só distingo ruas, multidões, um cruzeiro no
porto de Valletta.
Fica o assunto por
ali e passamos ao que nos trouxe, mas quando ele se despede perco-me a magicar como na minha recordação não tenho
férias inesquecíveis, apenas férias com momentos felizes, e se isso será culpa do meu pessimismo
ou de outra percepção da realidade.
Facto é que também
eu gostaria de recordar férias que de princípio a fim fossem excepcionais. Sem
suor nem multidões, sem roubalheiras, sem atrasos. Esquecendo a ganância das
lojas de souvenirs, o aborrecimento nos restaurantes, os enganos, a barulheira,
os atrasos, as pequenas trafulhices, e as grandes. A asfixia de seis noites de um
Verão em Bilbau, num quarto de hotel com vista para um muro. Doze euros, doze,
por uma garrafa de água na esplanada do Fouquet’s nos Champs-Elysées. O relógio
que sumiu, a tourada no bufete do pequeno almoço, a jovem mãe com um miúdo em cada braço, o pai
com outros dois, um quarteto de berros. As bichas para o museu, para o
santuário no monte, para o autocarro, para a ruína histórica. Sol de meio-dia,
trinta e nove centígrados, azedia no estômago, pernas inchadas, pés doridos.
...
Publicado na DOMINGO CM