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O avô
aristocrático das nossas democráticas – a tentação é grande de dizer plebeias –
férias, o Grand Tour, nasceu por volta de 1550, quando os lordes
começaram a mandar os filhos de visita à França e à Itália, na esperança de que
voltassem com instrução e boas maneiras.
Nos séculos a
seguir, fugindo ao nevoeiro de Londres, os lordes optaram pelo Inverno na
Riviera, e atrás deles vieram os colossalmente abastados príncipes russos. Em Fala, memória conta Nabokov que no
início do século vinte os seus pais, que nem eram dos mais ricos, viajavam para
a Riviera em dois comboios particulares. Num ia o pessoal com a bagagem,
mantimentos, cavalos e carruagens. O outro, oferecendo à família o conforto de
um hotel de luxo, saía de São Petersburgo dias depois,
Mas o Grand
Tour como que saltou dos salões para a rua quando, a partir da década de
30, os sindicatos franceses exigiram o mês de férias pagas. O privilégio foi
alastrando,(*) e hoje, mais que um direito, as férias como que se
tornaram um fim em si, uma razão de vida.
Ironizar seria
fácil, mas injusto, longe de mim contradizer a necessidade que tem de descanso
e diversão aquele que se esfalfa a trabalhar, ou a quem as tribulações põem de
rastos. Dá-se porém o caso de ser deturpada a minha visão do fenómeno, pois
vivo num país onde as férias se tornaram uma espécie de panaceia que, fadigas
do corpo, dores da alma, tudo cura ou alivia. Morte de ente querido, desastre,
mal-estar, aborrecimentos da vida, quando enfrenta isso o holandês informa
logo: vou-me de férias. E vai. Com uma média anual de quatro períodos de
férias, nenhum outro europeu lhe leva a palma. A rapaziada que termina o secundário tira logo um ano para ir
correr mundo. No dia do seu divórcio a vizinha veio anunciar que se despedia:
tinha as malas feitas e para superar o percalço abalava a gozar um mês de
férias em Bali.
Sou eu invejoso?
Espírito contra? De modo algum. A razão por certo está do lado dos milhões de
turistas que o ano inteiro vão e vêm com o nervosismo de formigas. O que quero
dizer é que me custa acreditar no valor terapêutico ou restaurador das férias.
Umas semanas de repouso poderão, talvez, muito talvez, aliviar um cansaço, mas
viagem nenhuma, exotismo nenhum, liberta dos pesos da alma e do coração.
As férias são bom
negócio, mas nem sempre o bom remédio.
-----(*) Alastrando devagarinho, note-se. No Canadá, nos anos 50, dez anos de emprego davam direito a três semanas de férias, a gozar quando o patrão decidisse.
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Publicado na DOMINGO CM.