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É coisa pouca, uma frase inócua, mas quando
a encontro involuntariamente se me
dispara na cabeça um instantâneo da mentalidade de quem a diz ou escreve.
Foi há muito que a ouvi a um sujeito por quem tenho pouco
respeito, mau grado o estimem como prócere da cultura nacional. Com um
sorrisinho, afirmava ele numa roda onde abundavam os admiradores, que só escrevia
à mão, e a lápis, acrescentando: "Depois há uma pessoa que passa aquilo à
máquina".
Noutra altura um poeta, também esse homem de fama,
contava numa entrevista: "Sempre caligrafei, e há mais de trinta anos com
esta Montblanc. Primeiro tinha alguém
que me dactilografava os poemas, agora há uma pessoa que passa tudo para o
computador."
A mais recente é da importante jornalista, dizendo ao entrevistador:
"Eu não queria largar a minha Olivetti
e depois havia uma pessoa que passava da máquina para o computador."
Uma pessoa, alguém. Sempre um humilde anónimo, em
geral uma anónima, a trabalhar na sombra destes "grandes", tão inchados de prosápia que só a si se vêem.