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"Não, o Alentejo não é a minha terra prometida.
Resta-me, portanto, reconhecer que o sentimento de pertença é o meu ângulo
morto. Sou rafeiro, mestiço, bastardo, não uma bastardo de sangue, mas um
bastardo de solo. Não sou alentejano e os bairros onde cresci à volta de Lisboa
tornaram-se-me estranhos; quando lá volto, sinto que entro num filme cujos
diálogos já não conheço; tento representar o papel que me é devido por respeito
aos meus pais.
A cidade onde vivo, Lisboa, também não é minha, serei
sempre um estrangeiro na corte. É um sentimento estranho, quase fantasmagórico,
mas é no Porto que me sinto em casa; é com as pessoas do norte que estabeleço
uma empatia imediata, epidérmica, visceral. Então porque não mudar a minha vida
para o Porto, Braga ou Aveiro? Seria mais um esforço patético e sentimental. Se
não posso ser o filho pródigo do sul, também não vou ser o cristão-novo do
norte. Não tenho nem terei terra. Não pertenço.
A migração familiar que nos fez sair da miséria e que me
permitiu desafiar as leis de ferro da minha avó e dos Espírito Santo, é também
a causa deste vazio. A liberdade tem um preço."
…………..
in Alentejo Prometido, de Henrique Raposo – Fundação Francisco Manuel
dos Santos.