Tinham-se habituado a aceitar esmolas um do outro. Há quatro ou cinco anos, pensava ela, às vezes contando pelos dedos, hesitante, a perguntar-se se deveria acrescentar um, tirar um.
Desde a primeira noite, dizia-se ele. O choque
do momento presente como uma cicatriz. Não tinha sido a revelação de que o
corpo nu correspondia mal à imagem que se fizera, mas algo como um odor
desagradável, um modo que lhe desconhecia, banal e grosseiro, a querer tentá-lo
com seduções toscas, cópia sabe Deus de que mau filme.
Cumpriam o ritual, faziam os gestos, no
momento certo diziam-se as frases, remavam o barco em lago sereno. As gémeas nasceram, depois o
rapaz, e acharam que bastava.
Podia ter sido ele, porque a sua decepção
era grande, talvez a maior. Sentia-se espoliado de sonhos, esperanças, de
vivências e aventuras, a imagem que lhe vinha era a de uma névoa em que
lentamente sufocava.
Mas foi ela a primeira a trair. Um acaso, encontrando
sem se dar conta que procurava, o estranho a revelar-lhe a pobreza em que vivia,
a esmola que se habituara a receber, aquele "Meu amor! Meu amor!",
gritado no mesmo tom, no mesmo instante.
O homem possuiu-a com certezas de macho,
dando o que ela esperava, enchendo o vazio a que se habituara e lhe doía,
despedindo-se sem promessas.
É um automatismo, aquele contar pelos dedos.
Sete meses e meio? Oito?
Vêm-se às sextas, ao fim da tarde.
Há-de-lhe perguntar.