O colega vaidoso desperta em mim irreprimível alegria. A pouco teatro tenho assistido que iguale em comicidade o escriba que, vendo-se já em estátua, discorre para um público sobre a complexidade dos seus sentimentos, o refinado das conclusões a que chega, a superior delicadeza dos personagens que cria.
- Como diz Adalberto no meu romance A Cinza das Sombras, no momento em que descobre a infidelidade de Marilena…
O homem não tem o propósito de que, repetindo o título, os que o ouvem corram às livrarias. Não! Ele diz aquilo certo e seguro de que A Cinza das Sombras lhe prepara o Nobel, Marilena e Adalberto entrarão na galeria dos personagens clássicos, as pessoas na sala – amigos, reformados, viúvas, curiosos que queriam saber se era sobre política – prenunciam a massa de gente que aguardará o seu regresso de Estocolmo.
Claro que estou a ser injusto. Mesmo o maior dos vaidosos deve conhecer daqueles momentos de insegurança em que as sombras deixam de ser ficção literária e se tornam negrume a sério. Infelizmente, para ele, a máscara pode mais, e eu apenas o conheço quando representa em público. Mas que adoro o espectáculo e nunca me canso de assistir, isso é verdade.