quarta-feira, maio 20

Dádiva

Ouvia-se o som de uma caldeira a arras­tar pelo chão, outra a ser pendurada nas lárias, o bater ritmado duma tenaz num toro. Mais perto de nós, no curral, os chocalhos badalavam ligeiros se alguma ovelha se mexia, as muares davam de vez em quando uma patada inquieta, e por detrás da parede o ressonar dos porcos parecia de gente. Muito longe, a coruja continuava os seus pios, mas pouco a pouco mesmo as cobras e os ratos foram silenci­ando, dando a ilusão de que o mundo inteiro tinha adorme­cido.

Nessa grande paz ela despiu-se, beijou-me, deixou-se acariciar, zombando em murmúrios da minha pressa, ora a travar-me o ímpeto, ora a picar a minha inocência, como se o saber-me pueril aumentasse a sua excitação. Proibia um beijo, provocava uma carícia. Escapava ao meu abraço e reviran­do-se prendia-me entre as suas pernas, gozando a vitória, mordendo os meus lábios até perder o fôlego.

Louco de desejo como estava e bêbedo dos seus cheiros, ela facilmente podia ter feito de mim um joguete. Mas não fez. Dando-se conta de que eu não saberia prender o seu corpo ao meu, de novo me foi mansamente guiando, a mostrar como cada emoção tinha um ritmo, como o prazer se tomava em sorvos, ora animais, ora delicados.

A pele macia colava-se à minha, a fundir-se nela, enquanto os seus dedos, outras tantas garras, me pertur­bavam com um sentimento estranho, desencon­trado, que era medo e êxtase, proibição e fascínio.

Quando o quis ofertou-me o seu corpo, mas para a dádiva e para o momento não há palavras.