Porque logo me levou a desconfiar do mundo, a precocidade foi um dos meus azares, talvez o maior. Cedo demais aprendi a ler, e como o jornal me fascinava, aos seis anos a guerra da Abissínia entrou na minha vida, logo a seguir a Guerra Civil de Espanha, e ainda esta não tinha terminado quando rebentou a Segunda Guerra Mundial, de que depois se diria que, graças ao poder dos Estados Unidos e à fundação da ONU, tinha sido a última guerra da humanidade.
Passemos caridosamente a esponja sobre a ingenuidade dos sonhadores, pois tudo se lhes deve perdoar, tragédia nenhuma substituirá nos seus olhos, as lentes de plástico cor-de-rosa com que apercebem a vida e o mundo.
Mas o que aqui vem ao caso, resultou de uma corriqueira conversa de amigos na esplanada, entre eles um jovem, porque cinquentão, e jovem também pelo romantismo das suas convicções.
Falávamos da bizarria desta guerra na Ucrânia, da novidade dos drones, concordando todos que a Rússia era o invasor, mas a pena que dava que os seus soldados, carentes de quase tudo, das munições, aos agasalhos e até à comida, morressem às dezenas de milhar.
Foi então que, num acesso de romantismo, ao jovem atrás citado ocorreu dizer que, inevitavelmente, em tempo de guerra todos os exércitos sofrem falhas e carências, mas ponto importante não é, nem de longe, o conforto dos combatentes, sim o orgulho de poder dar a vida pela pátria.
O Zeferino, que de Moçambique à Guiné, outra vez a Moçambique, ao Líbano, aos Balcãs, já viu guerra demais e sofre mal os ingénuos, pigarreou daquele modo que lhe conhecemos, e é prenúncio de mau agouro. Desta vez, porém, deve ter controlado o azedume, e sem encarar o “culpado” sentenciou:
- Grande treta, essa de dar a vida pela pátria. Patriotismo a sério é fazer pra que seja o inimigo a morrer pela dele.