quarta-feira, setembro 13

"A Amante Holandesa"

 

“– Não te esqueças das fotograas.
E sem mais, nem gesto ou sorriso, volta-me as costas, vejo-a depois atravessar a praça e desaparecer na rua que leva ao mercado.
A transição é tão imprevista e inconsequente, tão inexplicável, que me deixa estupefacto. Ressinto aquela brusqueza como um insulto e, por mais que procure, não encontro razão para ela se comportar assim. Será que inconscientemente traí o meu desejo? Ou adivinhou a minha luxúria? Que por qualquer motivo de súbito se cansou da companhia? Alguma a
rmação tola que z?
Fico-me nas perguntas sem resposta, vai demorar até reconhecer que mais uma vez estrebucho na armadilha que sempre, invariável e estupidamente, para mim próprio cavo, como se nada aprendesse das lições passadas.
Que esperava, que espero eu, da estranha a quem só me une a memória do morto que ela nunca conheceu? Amizade? Sexo? A realização do sonho?
A rapariga na
or da idade e o velho com mais do dobro dos seus anos! Será que a loucura não passa? Que a imaginação não dá tréguas? Terei de aceitar que ndarei baboso, com um pé na cova e a sofrer ilusões de adolescente?
Acalmo e no íntimo tenho de confessar que sim, sonhei. De manhã vagamente, alegre de me ver na sua companhia. Orgulhoso dos olhares invejosos que lhe deitavam, como se fosse eu o dono e ela a minha presa ou recompensa.

Sonhei quando cândidamente me agarrou pela mão para que corresse, e me fez tremer à entrada do café, colada a mim. Perdi a cabeça enquanto telefonava e vi-me a acompanhá-la em não sei que bizarra excursão aos lugares da noite que só na fantasia existem.
Viria depois o clímax dos desejos nunca antes satisfeitos, das sensações nunca antes vividas. Viriam gritos e arrebatamentos, a saciação das fomes que não têm nome.
Ela telefonava, concentrada, e eu, querendo-me sério e casto,
ngindo ternura, em pensamento tomava-a sem pudor, impunha-lhe a bruteza do meu cio.
Agora é como se acordasse e dou-me conta do rumorejar das conversas em redor, das dezenas de rostos. Indeciso se irei já embora, se ainda
co, arriscando que um ou outro me venha perguntar quem ela é e eu, para ocultar a confusão, me emaranhe a sugerir mistérios em vez de responder.
E como se o chamasse ou os meus pensamentos lhe fossem íman, Garcia, o colega a quem antes acenei, vem sentar--se à minha frente, os olhos brilhantes de marotice:
– Temos engate, hein?
Abano a cabeça, desagradado com o comentário, mas ele, curioso, faz que não dá conta:
– Carninha nova. Que o colega, toda a gente sabe, gosta delas tenras. E estrangeira, vê-se logo. Alemãzinha?
– Não chateies. É holandesa. Filha de um amigo.
– Holandesa! Homem! Ainda melhor! Eu nunca tive sorte, nem com as turistas, mas os gajos da minha terra que estão na Holanda dizem que é um fartar. Lá são elas que avançam! Atiram-se de caras! Dizem que é o que lhes vai dar mais pena quando retornarem. Mas agora a sério,
lha de um amigo? Alguém de cá?
– Não. De um rapaz da minha aldeia.
– Que trabalha lá?
– Trabalhou. Faleceu e ela veio por causa da papelada.

– Então não é o que eu tinha pensado.
– Por acaso não.
E depois de uma pausa, olhando de través a sublinhar a malícia:
– Mas com certeza não resistes. Lá em casa, ao passar, sempre lhe dás uns toques. Cuzinho
rme, tetinha de mão-cheia, lindas pernas. Cara de boneca. Já tinha reparado, mas
quando saiu e passou pela minha mesa, até me deu a
ição. Corpinho de tentar um santo.”

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Quetzal, 2010