Muitos receiam ver-se na mó de baixo, dando assim prova de que ainda têm bastante caminho a andar, até descobrirrem que, tristemente, pouco há de tão revelador como o rosto dos que nos vêm confortar, e o fazem com aquele modo de quem deita a esmola ao pobre
A mó de baixo oferece também a vantagem de, ao contar as espingardas, nos descobrirmos sozinhos na trincheira. Assusta, mas é aguentar e fazer mantra do consagrado "não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe."
Infelizmente, a paciência requer longa aprendizagem, e sem intenção de trocadilho, isto da mó de baixo é assunto que em mim costuma vir ao de cima.
Outros há, com afazeres diferentes e mais atreitos ao
optimismo, mas nos últimos tempos, os que lá do alto nos espiam e regem, têm-se
particularmente divertido, não a pôr-me doente, mas a deixar-me num cansaço em
que todo o esforço parece demasia, toda a obrigação um pesadelo, cada ritual
uma ladeira a subir.
Depois, embora não seja invejoso por natureza, e saiba o modesto lugar que me
cabe, nos jornais chovem ditirambos, na TV tudo são estupendos sucessos,
talentos geniais, putos e “meninas” – a gramática aceitaria, mas a decência
impede – que mal saídos dos cueiros, para ganharem fama lhes bastam os pinotes,
dois traques e gritaria.
Viro-me então para os deuses e pergunto: que raio têm esses que a mim e tantos
milhões é negado? Rezam com mais fé? Queimam melhor incenso? Nasceram em signo
ascendente? Conhecem o mistério de Fátima?
Resumindo: há demasiado tempo que de corpo e espírito, ando na mó de baixo. E
como se não bastasse, no mês passado fui a dois enterros. O que me deixa a
impressão de que, sentadas em confortáveis nuvens, as divindades se piscam o
olho, assustam-me, e como se não bastasse, gozam a aborrecer-me com tanta
fama à minha volta.