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Uma tarde, meses
atrás, levado pelo calor e pela fadiga
da caminhada que tinha feito em busca de ruas da Lisboa do meu passado, mas em
parte maior por uma combinação de nostalgia, tristeza, enfado e desalento de
compreender o que vejo e sinto do nosso país, repeti o gesto que noutra tarde,
setenta anos antes, olhando em volta, maravilhado pela cidade que só conhecia
dos livros, me levara a sentar num banco da Avenida da Liberdade.
Seria exagero
chamar-lhe ritual ou exorcismo, pois não é, antes um acesso de saudade que,
quando lá passo, uma vez por outra me faz parar no espaço que vai da Cervejaria
Ribadouro ao Hotel Tivoli, tendo a meio o Cinema São Jorge, três pontos com marca no historial das minhas
muitas andanças, dentro e fora da terra onde nasci.
Sentei-me, pois,
essa tarde dos meus dezassete anos, sozinho, admirado com a majestade das
árvores, os poucos carros que então me pareceram muitos, os edifícios de uma
imponência e arquitectura que desconhecia, a estranheza de não ver os pobres
que esmolavam nas ruas de Viana, onde então estudava, ou os tantos que tinham
sido meus vizinhos no Monte (dos) Judeus, em Gaia, o largo onde nascera, e onde
ainda dois anos antes vivia.
Aqui e ali, as
mãos atrás das costas segurando o cassetete, rondava lentamente um polícia.
Surpreendeu-me a azáfama dos varredores, que eram muitos de ambos os lados da
alameda. Atentos ao chefe, uns varriam apressados as folhas caídas, enquanto
outros, segurando grandes mangueiras que tinham na ponta agulhetas de metal, empurravam
o lixo para os bueiros das valetas.
Aquilo era novidade
para mim, como também me pareciam sinal de poder e progresso os sujeitos que, a
julgar pelo fato escuro e o modo severo, deviam ser pessoas importantes, e via
discutindo à porta do que por certo seriam repartições ou firmas de peso.
Levantei-me do banco,
atravessei a avenida e, dando-me vagar para encher os olhos, subi até ao Diário
de Notícias, ficando ali a admirar a fachada, excitado com a certeza de que os
homens que entravam e saíam, tirando apressados o chapéu, ou apertando mãos,
eram jornalistas, a nobre profissão que eu não duvidava que seria a minha.
Dessa vez
faltou-me a coragem de entrar, o que faria mais tarde, seguro de que, ouvindo o
meu sonho, o director chamasse um contínuo para me mostrar onde era a sala da
redacção. No tampo de uma escrivaninha veria finalmente o aparelho que eu mais
cobiçava, mas em que nunca tocara, e só conhecia dos anúncios: uma máquina de
escrever.
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Publicado na DOMINGO CM.
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Publicado na DOMINGO CM.