segunda-feira, julho 17

Num banco da Avenida

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Uma tarde, meses atrás,  levado pelo calor e pela fadiga da caminhada que tinha feito em busca de ruas da Lisboa do meu passado, mas em parte maior por uma combinação de nostalgia, tristeza, enfado e desalento de compreender o que vejo e sinto do nosso país, repeti o gesto que noutra tarde, setenta anos antes, olhando em volta, maravilhado pela cidade que só conhecia dos livros, me levara a sentar num banco da Avenida da Liberdade.
Seria exagero chamar-lhe ritual ou exorcismo, pois não é, antes um acesso de saudade que, quando lá passo, uma vez por outra me faz parar no espaço que vai da Cervejaria Ribadouro ao Hotel Tivoli, tendo a meio o Cinema São Jorge, três  pontos com marca no historial das minhas muitas andanças, dentro e fora da terra onde nasci.
Sentei-me, pois, essa tarde dos meus dezassete anos, sozinho, admirado com a majestade das árvores, os poucos carros que então me pareceram muitos, os edifícios de uma imponência e arquitectura que desconhecia, a estranheza de não ver os pobres que esmolavam nas ruas de Viana, onde então estudava, ou os tantos que tinham sido meus vizinhos no Monte (dos) Judeus, em Gaia, o largo onde nascera, e onde ainda dois anos antes vivia.
Aqui e ali, as mãos atrás das costas segurando o cassetete, rondava lentamente um polícia. Surpreendeu-me a azáfama dos varredores, que eram muitos de ambos os lados da alameda. Atentos ao chefe, uns varriam apressados as folhas caídas, enquanto outros, segurando grandes mangueiras que tinham na ponta agulhetas de metal, empurravam o lixo para os bueiros das valetas.
Aquilo era novidade para mim, como também me pareciam sinal de poder e progresso os sujeitos que, a julgar pelo fato escuro e o modo severo, deviam ser pessoas importantes, e via discutindo à porta do que por certo seriam repartições ou firmas de peso.
Levantei-me do banco, atravessei a avenida e, dando-me vagar para encher os olhos, subi até ao Diário de Notícias, ficando ali a admirar a fachada, excitado com a certeza de que os homens que entravam e saíam, tirando apressados o chapéu, ou apertando mãos, eram jornalistas, a nobre profissão que eu não duvidava que seria a minha.
Dessa vez faltou-me a coragem de entrar, o que faria mais tarde, seguro de que, ouvindo o meu sonho, o director chamasse um contínuo para me mostrar onde era a sala da redacção. No tampo de uma escrivaninha veria finalmente o aparelho que eu mais cobiçava, mas em que nunca tocara, e só conhecia dos anúncios: uma máquina de escrever.
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Publicado na DOMINGO CM.