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"O rótulo de
"esquerda" ou de "direita" confere o conforto da pertença
tribal, a garantia antecipada de defesa do grupo-alcateia em caso de ataque
vindo do exterior, mas, sobretudo, defende o indivíduo contra si mesmo, resguardando-o
do vício trabalhoso de ter de pensar. Mais ainda, é um ansiolítico
tranquilizador para o maior dos medos modernos, o pavor da solidão. Da integração
numa das duas culturas – de esquerda ou de direita – decorre automaticamente
uma reposta padronizada a questões que, de outra forma, exigiriam um esforço e uma
autonomia que são descartados graças a um mecanismo que de imediato segrega
códigos, rituais, comportamentos e práticas que moldam o gosto e os hábitos,
incluindo no plano do comportamento afectivo e sexual, na escolha dos lugares
de convívio, restauração e lazer ou no modo de vestuário. Mas, sobretudo, a
filiação na esquerda ou na direita determina, tantas vezes inconscientemente, o
posicionamento que é suposto ser adoptado em face das mais diversas situações e
problemas. Tomar partido a favor da
posição A ou da posição B nem sequer é visto como obrigatório ou coercivamente
imposto, sendo antes encarado como o produto "natural" e
"espontâneo" de uma dada pertença ideológica ou política
profundamente interiorizada ("a minha
visão do mundo"), à semelhança do que ocorre com as convicções religiosas
nascidas do bricolage espiritual (a "minha fé")."
………
In Da Direita à
Esquerda – António Araújo – editora Saída de Emergência, 2016.