sexta-feira, maio 8

Uma única vez

(Clique)
Esquecidas as esperanças, quase a entrar na velhice, o que muitas vezes repete e mais lhe dói é de ter crescido com a liberdade, a pílula, outros costumes, e não ter aproveitado. Viu as que se tornavam alegremente desbragadas, fazendo "como lá fora", e depois serem felizes, prova viva de que a virtude também não compensa.
Casou sem paixão, satisfazendo os pais, que viam no Diogo o genro ideal, tanto ele correspondia ao que julgavam ser garantias de bom futuro. E de facto assim tinha sido. Desconheciam altos e baixos, viviam numa confortável mediania de sentimentos e rendimentos, os seus dias eram serenos, as férias planeadas, os aniversários alegres.
Os filhos, três rapazes, rumaram para o seu próprio destino, é neles que vagamente pensa um fim de tarde, recordando os partos, os anos de infância, a aflição das doenças. Ao mesmo tempo esforça-se por varrer da memória o momento de ontem, o mais velho, o Alberto, a contar o que lhe tinha acontecido a semana antes em Estocolmo, uma hospedeira da SAS a jurar que nada nele parecia português, antes sueco.
- Sabe o que lhe disse, mãe? Que caiu só em mim algum gene dos vikings que andaram por Viana, que é a sua terra. Os meus irmãos parecem-se mais com o pai.
Ela sorri melancólica e acena que sim, pergunta-lhe para onde será o próximo voo, mas não ouve a resposta.
Tinha sido uma única vez, quando trabalhava no hotel. Um alemão.