É muita morte à minha volta. Caem como estorninhos, oito enterros desde o começo do ano, uns quantos à espera de vez em lares, hospitais, arrastando-se por casa, pedindo para ouvir que não é grave, há milagres, agarrados ao que lhes disse o taxista, e até deu na televisão, aquele médico de Saragoça que tem curado muita gente.
Mando coroas de flores, ofereço os pêsames, vou à missa do corpo presente, acompanho os funerais. Se esquecesse a idade e o estar avançado na lista, lembravam-mo os olhares que alguns me deitam, surpresos de que não tropece nem desvaire.
Esse tempo virá. Por enquanto lá vou indo, nada descontente, até divertido como há momentos, quando me ocorreu a memória de uma falecida, senhora que se queria da alta. Safara ela cuidadosamente uma genealogia de tamancos, a mãe era como se a não tivesse parido, a história da sua vida começava com a promoção do pai de furriel a general, momento alto o seu casamento com outro general.
Desde aí disparara a inventar que nem Fernão Mendes Pinto, e era viscondes assim, condes assado, barão isto, marquês aquilo, se em Portugal houvesse um pareceria a versão lusa e falante do Almanak de Gotha.
Chata, insuportável pedante, e contudo uma recordação que dela guardo sempre me faz sorrir. É a do momento em que, adolescente, tendo entrado na loja de panos do senhor Mateus, em Moncorvo, a oiço dizer com rispidez ao atarantado comerciante: - A família do meu marido é de haute volée!
Desconhecia. Em casa procurei no petit Larousse ilustré, julgando que fosse uma cidade em França. Não era.