O fado e eu temos uma relação que ultrapassa a da minha idade. Foi a primeira música que inconscientemente ouvi, pois meu pai e o dele tinham talento para a guitarra. Tocavam nas festas da vizinhança e com os amigos, tocavam nas noites de melhor disposição, de modo que, ouvindo e olhando, aí pelos oito anos comecei um dedilhar que duraria até pouco antes dos quarenta.
Toquei, ou melhor: deixaram-me tocar n'O Estribo, na Travessa da Queimada do Bairro Alto, e aceitaram-me também n'A Parreirinha de Alfama. Depois a vida teve as suas andanças, os dedos foram lentamente emperrando, tornaram-se artríticos. Hoje, ao sabor dos momentos, o fado ora me põe de mau humor com a lamechice e a modernice, ora me obriga a lágrimas de não sei quantas saudades.
Nos anos sessenta, na Holanda, havia as aparições esporádicas da Amália, contando tanto a voz como o xaile preto, e teriam de passar quase quatro décadas antes do talento de Cristina Branco tornar o fado suficientemente chique para ser ouvido nesse templo da música que é o Concertgebouw de Amsterdam.
Desde então até já se canta o fado em frísio e, se não sou apreciador, abstenho-me de desdenhar. Nesta outra interpretração a cantora é bem portuguesa, faz os trejeitos adequados, mas causam-me espécie os guitarristas. É que guitarrista autêntico quer-se franzino, de fato preto e gravata a condizer, moreno, cabelo de azeviche, com o rosto magro e mal disposto das noitadas. Estes aqui, em traje de férias, além de loiros e nutridos têm modos de jazz! E riem!