sábado, outubro 15

Em busca de quê?

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"De facto, quando nos agarramos a um livro vamos em busca de quê? Mesmo quando aparentemente procuramos apenas uma trivial forma de evasão, no mais fundo de nós desejamos um encontro com alguma coisa de mais sincero e desperto do que o quadro sonâmbulo das convenções, um punhado de luz capaz de romper o mar de gelo do tempo, uma iniciação à arte difícil da verdade. Pois precisamos de ajuda para compreender aquilo que se experimenta não só sendo outra pessoa, com uma vida diferente da nossa, mas também para abraçar, com uma sabedoria que tantas vezes nos falta, a nossa própria vida. A literatura é isso: um hospital de campanha, um centro portátil de interpretação, uma operação de socorro aos náufragos que somos nós todos.
Condicioná-la, falsificá-la, diluí-la é um atentado contra a humanidade, de que a literatura é um bem irremovível."

Os que gostam de ler, e os que sentem a necessidade de escrever, tirarão proveito destas palavras de José Tolentino Mendonça na revista do Expresso  (8/10/2016).

terça-feira, outubro 11

Um pontapé nos locais

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Viajar para aprender e descobrir mundos, ter outras vivências? Na Tailândia, em Sortelha, Pitões das Júnias ou no Camboja, a muitos que lá vão o que  sobremodo os maravilha, e se apressam a partilhar, é a intimidade das conversas que  têm com os locais.
E eu então, quando isso leio ou por acaso oiço a baboseira, do que tenho logo vontade é de lhes assentar um pontapé naquele local - creio que foi Eça que assim o definiu – onde as costas acabam e as pernas começam.
Mas como isso já não se faz, e nesta nossa em extremo carinhosa sociedade até o   puxão de orelhas pode dar cadeia, fico a remoer o desagrado, perguntando-me a quem raio devo deitar culpas. Aos pais? À escola? À fraqueza das cabecinhas? À parolice que os leva a acreditar que, exprimindo-se desse modo, se distinguem do comum, mostram fineza?
Passado o acesso e voltando a mim, não é irritação o que sinto, mas desalento. Pois que adianta o esforço dos que se empenham para que o mundo avance, se nem de longe fazem contrapeso ao rebanho que se alegra e satisfaz com a própria ignorância?
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sexta-feira, outubro 7

Vício solitário



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Desde a adolescência até tempos atrás sempre tive interesse por anedotas, considerando algumas verdadeiros micro-contos, melhores no conteúdo e mais expressivas que muita prosa.
Assim, ao longo dos anos, fui colecionando uma antologia delas. Uma vez por outra, com o entusiasmo de contá-las, terei abusado da paciência alheia, já que é difícil parar quando o riso parece sinceramente motivado.
Há algum tempo, porém, dou-me conta de que com as anedotas, como com muitas outras coisas, a internet é simultaneamente um bem e um desastre. Um bem, porque custa a crer na quantidade, qualidade e variedade delas. O desastre é que, julgando surpreender um amigo com o que parece uma pointe sensacional, ele, à medida que a narrativa avança, em vez da gargalhada deixa descair os cantos da boca. É que já conhece. Viu na internet.
A frequência com que isso tem acontecido, justifica que o humor, que para mim era uma manifestação social, está a tornar-se um vício solitário.

terça-feira, outubro 4

A vida e Clausewitz

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São muitas e estranhas as razões que nos prendem a língua. O que calamos por medo, tibieza, cobardia, mas também por caridade, outras vezes desencanto, a perguntarmo-nos como é que depois somos capazes de sorrir com tanta naturalidade.
Fechamos os olhos e o entendimento, somos prontos no salamaleque, com um gesto largo damos ao outro a primazia e encolhemos o pé que preparava a rasteira.
É corrente dizer-se que a vida é teatro, e é possível que para os simples assim seja, mas na realidade está longe de sê-lo. A vida é campo de batalha, com lutas corpo a corpo e bombas armadilhadas, explosões, sabotagens no escritório, nos tribunais, na estrada, nos armazéns, no estádio, na cama de casal.
Descreiam os que ainda não assistiram nem participaram, mas também a esses chegará a hora de calar, como hão-de aprender que a serenidade do dia-a-dia é cortina de fumo a esconder ataques e contra-ataques, hostilidades em que nada contam os armistícios, as tréguas para recolher feridos, os acenos de bandeira branca.
A vida, como Clausewitz o diz da guerra, é o domínio do esforço físico e do sofrimento.
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domingo, outubro 2

sábado, outubro 1

quarta-feira, setembro 28

Marilyn


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Por ocasião do nonagésimo aniversário do nascimento de Marilyn Monroe, realiza-se na Nieuwe Kerk de Amsterdam, de 1 de Outubro a 5 de Fevereiro, uma exposição comemorativa onde pode ser admirado o famoso vestido.

terça-feira, setembro 27

Uma forma de desprezo

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Vive em grande luxo num dos canais nobres de Amsterdam, dentro em pouco fará noventa anos, de si próprio diz com desinteresse: “É estranho como  continuo a ter tão boa memória.”
De facto tem. Gosta de recordar que do Ártico à Patagónia, de Portugal à China, trabalhou em todas as partes do mundo e, belo homem que foi, não faltaram mulheres exóticas na sua vida. Dessas casou com três, a que realmente amou faleceu há pouco, as restantes e os filhos aborrecem-no com exigências de dinheiro.
Conhecemo-nos desde os anos sessenta, e a simpatia permanece. Une-nos também o interesse por computadores e pela internet, talvez porque ambos somos do tempo em que mesmo a rádio era maravilha. Hábito de décadas, encontramo-nos de mês a mês no nosso café e, cavaqueando, bebe ele duas ou três genebras, fico eu pelo copo de tinto.
Ontem, rememorando uma tumultuosa peripécia dos seus amores, surpreendeu-me o modo como em certo momento disse: “No passado, quando me zangava com alguém, havia nessa zanga um certo respeito. Actualmente recuso zangar-me com quem quer que seja. Creio que é uma forma de desprezo."
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