Para muitos citadinos, talvez a maioria, e sobretudo aqueles de gerações com raízes na cidade, ouvir a expressão “ir à terra” deve provocar alguma estranheza, e porventura ser motivo de confusão ou gracejo. Todavia, mesmo que de boa vontade compreendam o significado, falta-lhes o conhecimento da mistura de emoções que ressente quem, estando longe, sobretudo no estrangeiro, anota a data em que irá à terra.
Pode parecer simples, mas a expressão está longe de traduzir os sentimentos que dispara, as obrigações que implica, os cuidados a tomar, o manter-se alerta para as sensibilidades deste e daquele. Ir à terra impõe rituais, exige atenção para hierarquias, obriga a considerações, cálculos, boa cara, idem o sorriso. Por vezes durante os preparos, longos e sempre adiados, é um cansativo avaliar isto e aquilo, este e aqueloutro, chega-se ao ponto de sentir inveja dos presidentes, que esses têm quem lhes trata da viagem e do protocolo. Fora de questão confessar o cansaço da jornada e dos arranjos, pois seria tomado como queixume de desagradecido.
Deve andar por duas centenas o número de vezes que já fui à terra, e se bem me lembro sobram os dedos da mão para a conta das que, exausto, mal disposto, ou apertado pelos sarilhos da vida, fui mau actor na ópera-bufa das boas-vindas.
Francamente mo censuraram, e numa ou noutra altura se há motivo ainda o recordam, mas nem a eles nem a mim passaria pela cabeça levar a mal, pois por longa de dezenas de anos que a ausência seja, como a minha é, não se descobriu ainda esponja, diluente, ou força capaz de remover o atavismo, sobretudo quando a comunidade é diminuta.
Daqui a nada vou à terra, e o que atrás fica é aviso que no íntimo repito.